
Os Mão Morta cumpriram ontem à noite o seu último capítulo da fase debruçada sobre os "Cantos de Maldoror", de Isidore Ducasse. Nos últimos 12 meses, a banda de Adolfo Luxúria Canibal levou à cena um espectáculo cénico dedicado à obra literária do final do século XIX, tendo apresentado a criação numa série de salas do país. O último terá começado à hora do fecho desta edição, no Theatro Circo, em Braga.
A ideia de trabalhar a obra assinada com o pseudónimo de Conde de Lautréamont já era antiga. À conversa com o JN, Adolfo Luxúria Canibal confessa que os "Cantos de Maldoror" não têm apenas um fascínio - mas vários "É um texto com vários prismas e só esse facto é um logo um fascínio enorme", começa por dizer, elogiando "um livro que não se esgota numa leitura e que tem uma densidade incrível". Na sua óptica, é uma obra com uma assinalável importância em termos de história da literatura, nomeadamente "no avançar de mecanismos que depois as vanguardas do século XX foram mais ou menos explorar".
Adolfo Luxúria Canibal reforça também o facto de este ser "um livro que tem uma densidade de tal ordem que uma pessoa está sempre descobrir coisas novas por mais que o leia - coisas relacionadas com a filosofia ou com a política, nomeadamente a revolta contra a humanidade, contra os dogmas ou contra o poder estabelecido, seja ele religioso, moral ou político - tudo isso transparece nos Cantos".
A figura de proa dos Mão Morta cita ainda "a questão sexual que está presente do princípio ao fim dos Cantos e que continua perfeitamente presente na nossa sociedade moderna".
Apesar de existir já há vários anos uma boa tradução para português assinada pelo insuspeito Pedro Tamen, Adolfo Luxúria Canibal preferiu lançar-se no desafio de fazer a sua própria tradução a partir do original francês.
A partir de hoje, o capítulo Maldoror será passado - a banda não mais repetirá o espectáculo. E apesar de não existirem grandes pressas, a prioridade é regressar ao bom e excitante rock'n'roll. "Sim", garante o vocalista, "os Mão Morta vão continuar com os espectáculos mais clássicos de rock n roll".
Recorde-se que na passada edição do festival de Paredes de Coura, o artista fez questão de semear a confusão e a incerteza, tendo insinuado que aquele seria um dos últimos concertos da banda de Braga. "A ironia é essa - pela sua própria génese deixam-se sempre algumas dúvidas", explica agora com voz matreira. E prossegue "Essas afirmações tinham a ver com o concerto específico de Paredes de Coura e com o facto de estarmos a tocar com bandas que tinham acabado mas que estavam a regressar".
Sosseguem, pois, ó fãs dos Mão Morta - e haja esperança num fértil futuro para os adeptos de uma das mais fascinantes formações rock que alguma vez surgiram neste país. Haverá algum disco de rock em português mais brilhante do que um "Mutantes S 21" ou um "O.D. Rainha do Rock & Crawl"? Claro que não.
E é Adolfo quem nos deixa pistas para algo de bom que poderá surgir "Ainda não estamos a trabalhar em temas novos mas já falamos sobre o facto de querermos fazer canções curtas".
A gravação do espectáculo "Os Cantos de Maldoror" está eternizada numa edição luxuosa em cd duplo e que tem o formato de um pequeno livro de capa rígida e forrada a tecido, contendo os excertos do texto utilizado na peça e ilustrações da artista plástica Isabel Lhano. A edição é limitada apenas a três mil exemplares e a banda assegura que não serão feitas reedições. O disco custa 18.5 euros (já com portes de envio incluídos) e pode ser adquirido no site oficial da editora da própria banda.
In "Jornal de Notícias" de 04/05/2008


1 comentário:
Excelente!
Bem-vindo ao grupo ;)
Abraço
Rui
http://a-trompa.net
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